sábado, 14 de abril de 2012

O Summum Bonun

O Summum Bonun

Existem vários mistérios no mundo que desafiam qualquer tentativa de explicação. O maior deles, em todos os sentidos, é o infinito. Ao longo da história da humanidade, para evitar a angústia natural que se tem frente ao desconhecido e para poder construir uma civilização, o homem formulou diversas idéias para explicar este infinito. que, qualquer explicação é como uma foto que se tira do infindável. È possível se estudar uma foto, aprofundar-se no conhecimento deste fragmento e chegar a conclusões que se pretendem universais. Contudo, por maior que seja a grande angular da câmara, este enfoque sempre será limitado, haverá sempre algo que fica de fora, haverá sempre um outro ponto de perspectiva, igualmente verdadeiro, que percebe e entende aquele infinito de forma completamente diferente.

Uma destas fotos foi tirada por santo Agostinho. Dizia o bispo de Hipona que Deus era o Summum Bonum, o inteiramente Bom. Para explicar a existência do Mal no mundo, ele apelava para o conceito de privatio boni, a carência do bem. Dizia que o Mal não provinha do Criador, mas da criatura, que o Mal não tinha essência, sendo apenas o Não Ser, a ausência de Bem, enquanto Deus era o Ser por excelência. Esta versão sobre o Incognoscível, largamente aceita pela Igreja Católica, traz em si um problema: coloca grande parte do mundo, onde o Mal impera, na esfera do Não Ser.

Uma outra corrente teológica, também aceita dentro da ortodoxia católica, diz ser impossível afirmar o que quer que seja a respeito de Deus, nem mesmo que Ele seja Bom, pois a bondade é uma qualidade humana, e Deus estaria acima de qualquer classificação, para além do Bem e do Mal, usando uma terminologia nietzchiana. A assim chamada teologia apofática tem como um de seus baluartes o pensamento de Dioniso Pseudo-Areopagita. Dizia este teólogo que Deus não era nem o Ser, nem o Não Ser, mas aquele que criou o Ser e o Não Ser.

Desde Freud, conseguimos facilmente perceber que as histórias da mitologia grega (Édipo, Narciso, etc) podem ser entendidas como metáforas que denunciam estruturas psíquicas básicas do homem. Afinal, vemos estas histórias como algo literário, fantasioso. Esquecemos que estes mitos são relatos que nos revelam o entendimento que outra civilização teve sobre o divino, isto é, uma fotografia do infinito tirada de outro ponto de vista. Temos normalmente pudor de analisar as histórias bíblicas do ponto de vista psicológico, com receio de estar sendo desrespeitoso com uma viva.

Carl Gustav Jung, negando-se a entrar na discussão teológica, entendia que todos os mitos religiosos são formas de que o homem se vale para trabalhar o seu material arquetípico. Os deuses seriam assim imagens arquetípicas e em particular a figura do Deus monoteísta se aproximaria do arquétipo do Self, do Todo, onde reinaria o paradoxo absoluto.

Nosso pensamento racional tende a evitar pensamentos paradoxais. Frente a um paradoxo, queremos sempre dizer que um dos lados está certo e o outro é um engano. Contudo, os estudos mais recentes de física quântica demonstram que um elétron é ao mesmo tempo uma partícula material e uma onda elétrica, ou que um elétron pode estar presente em dois lugares diferentes ao mesmo tempo, evidência inconcebíveis dentro da física newtoniana. Dizer que Deus é o Ser perfeito e, ao mesmo tempo, que Ele é capaz de errar e evoluir, é certamente um paradoxo. Mas se Deus é o Todo, Ele não é apenas o começo e o fim, o alfa e o ômega, mas todo o alfabeto, todo o processo evolutivo com seus erros e acertos. E se entendermos as histórias bíblicas de Deus como imagens do arquétipo do Self, estudá-las, ver a evolução que esta imagem sofreu ao longo do processo civilizatório humano, não seria uma maneira de entender como o homem tenta se aproximar do Self, enfim, individuar-se?

Antônio Aranha

Nenhum comentário:

Postar um comentário